A intimidade do sagrado nas máscaras populares do interior de Pernambuco
Cristiane Crispim

Por ruas, por veredas ou descampados, um ser mascarado, vestido de chocalhos, materiais velhos e molambos sobrepostos, ou de tecido acetinado bem passado. Um olhar é flagrado na máscara, e o mistério se faz íntimo e infinito. Mãos na cintura ou braços relaxados, quando em repouso; corpo decidido e pés que sabem bem onde pisam, quando em deslocamento. O ser percorre o tempo e o espaço, juntando saberes de sua tradição com a inventividade da urgência em ser no aqui, no agora e já.

Seja de papel, de cabaça, de couro de bode, de gesso ou de látex, a máscara cumpre sua função: a de revelar um mundo transcendente, um mundo de tempos amalgamados entre presente, passado e futuro. Esse ser se faz desconhecido para que outro se revele: o da força ancestral. Desse olho, só é possível acessar a alma, o espírito que congrega a luta e a brincadeira no mesmo ritual. Do corpo adulto, na maioria das vezes idoso, à criança que corre com medo e que, daqui a pouco, vestirá o brinquedo mascarado, cumprindo a função de não permitir que nada tenha fim, apenas começo, meio e começo novamente. Como dizia Nego Bispo, sabiamente, sobre as pulsações da cultura dos povos tradicionais afro-indígenas do Brasil.

A máscara impõe o gesto e o ritmo preciso do rito do qual emerge o mito, a figura, a persona, a história sem fim que pulsa na aparição misteriosa, consequência da fé que é brincadeira sagrada. Esculpida por guardiões da nossa cultura, é criada a forma fixa resignada à mutação constante das encruzilhadas, através de emoções e sensações contraditórias. É no encontro dos contrários, da faísca das suas fricções, que se projeta o encanto que materializa o invisível que faz festa na terra. Gira, corre, aponta, dança, abre os braços, encolhe-se, bate o pé no chão, mergulha, protege, ataca, cai, levanta-se! É um segredo que não se revela tirando a máscara, apenas usando-a. No movimento, no corpo, no viço do olhar, máscaras vivem e transformam.

As máscaras populares hoje compõem identidades visuais de aeroportos para turista ver e fomentar o Carnaval de Olinda e Recife, repletos de figuras do Cavalo Marinho, Papangus e Caretas. Mas é do interior que se tece parte da identidade mais marcante de Pernambuco, das raízes africanas e indígenas de nosso povo, dos mitos rurais que invadem as ruas e cidades. Rios que deságuam no mar da metrópole, mas que, em seu percurso, saciam, lavam, fertilizam, oferecem barro e festa para imaginários que se renovam e transformam a cada encontro de Reis, de preparação para Páscoa ou de Carnaval. Atravessando os tempos, fazem dessa manifestação cultural meio de sobrevivência e, em um mundo que se diz globalizado, transformam a prática ancestral em uma subversiva economia local, garantindo o sagrado direito de comer, beber, vestir, morar, criar e brincar em comunidade.

As máscaras do interior de Pernambuco revelam um povo que olha para o futuro sem esquecer o passado, o barro e o terreiro que os forjaram. O encantamento vem de um corpo que se faz brincante e brinquedo ao mesmo tempo, amalgamado e entregue aos mistérios e às incertezas. Carrega-os com coragem e destreza, em uma síntese de sons, cores, formas e sentidos da cultura impressa no corpo.