Cavalo Marinho - Aliança
Aliança
Condado se localiza na Zona da Mata Pernambucana, região historicamente reconhecida pelo cultivo da cana de açúcar, e berço de várias manifestações icônicas da cultura do estado, entre as quais o Maracatu, o Boi e o Cavalo Marinho.
Das manifestações populares que se utilizam das máscaras, o Cavalo Marinho talvez seja a que mais se aproxima do universo do Teatro. Confluindo encenação, dança e música, o brinquedo se mostra como um espetáculo completo e complexo, no qual se apresentam vários arquétipos (mais de setenta), em uma dramaturgia extensa que pode perdurar por até oito horas.
Nas conversas com mestres de Condado e Aliança, cidade vizinha igualmente povoada de brincantes, percebe-se o atravessamento entre a vida cotidiana e o fazer artístico nos dois territórios: o trabalho rural, em grande parte na cultura da cana, as relações de poder entre patrões e empregados, polícia e cidadãos comuns, homens e mulheres, tensionados ludicamente no jogo e no brinquedo.
O modo de vida das comunidades se revela nos enredos dos brinquedos, e na organicidade das máscaras e demais elementos do Cavalo Marinho, cuja artesania se utiliza de matérias primas da região, profundamente ligadas ao cotidiano rural, como o couro, pêlo de boi e barro, que se misturam ao papelão, tinta guache, tecidos diversos.
Mestre Aguinaldo, brincante e “mestre amador da Cultura Popular”, como ele mesmo se define, explica que a execução das máscaras e adereços geralmente é feita por quem vive o brinquedo, alguém que leva em conta a durabilidade e os efeitos desejados. Ele pontua que se descobrir mascareiro é tão orgânico quanto aprender os passos e a narrativa do Cavalo Marinho: está no jogo, na vivência, nas trocas com os que estão há mais tempo.
Os rituais que envolvem o Cavalo Marinho estão tão arraigados no cotidiano dos brincantes que, por vezes, parece não haver consciência deles.Como um católico que faz o sinal da cruz automaticamente ao passar em frente à igreja, já sem reparar na simbologia da ação, ou na dimensão mística dela.
Como um brincante que ao vestir a máscara aciona a persona arquetípica que irá representar, tem a careta como um ícone que serve à transmutação do seu estado, alterando sua energia na representação e na dança, na assumpção de uma lógica particular ao jogo de cena realizado por ele.
A exemplo do que acontece com a Velha do Bambu, personagem que, com uma mão apoia o corpo cansado em um cajado de bambu, e com a outra, abana sua saia, numa tentativa de “baixar o fogo entre as pernas”. Essa máscara tradicionalmente é utilizada por homens, que ao vesti-la, seguem os trejeitos característicos do arquétipo, assumem um determinado timbre de voz e repetem cacoetes irreverentes. É curioso observar, em um ambiente onde o machismo ainda é predominante, a seriedade dos brincantes ao vestirem essa persona. Isso demonstra o poder iconográfico do mascaramento no jogo do Cavalo Marinho.