A Máscara Como Brinquedo
Carol Arcoverde
Para nós, pessoas de Teatro, o disparador de interesse na pesquisa das máscaras pernambucanas foram os possíveis atravessamentos com a cena e a ideia do artefato como ícone: portal para um outro estado energético, via de acesso a uma corporeidade e uma lógica extra cotidianas. O mascaramento como ritual de conexão com o invisível.
Fomos em busca de brincantes em três regiões do estado (Zona da Mata, Agreste e Sertão). Nelas se evidencia a importância da máscara na tradição popular pernambucana, uma presença constante em diversas manifestações, especialmente nos ciclos de Reis e carnavalesco.
Nos deparamos com o conceito de “Figura”, o ser que assume o lugar da pessoa brincante através do mascaramento. A Figura atravessa e amplia o conceito de personagem: independente de uma dramaturgia fechada ou de qualquer convenção cênica, as Figuras têm sua própria dramaturgia, seus maneirismos, desejos, seu vocabulário, sua ética, enfim, uma vida própria.
Pudemos observar mais de perto os aspectos místico e ritualístico no uso da máscara nas manifestações populares, ainda que muitas vezes a pessoa brincante parecesse não ter consciência disso. Os brinquedos, não raro, são cercados de misticismo e de procedimentos rituais, despertando curiosidade, deslumbramento e, por que não, um pouquinho de medo.
Além disso, o anonimato e a transfiguração proporcionados pelo mascaramento são uma licença para a brincadeira, libertam a pessoa que brinca do implícito social de que brinquedo se restringe às infâncias.
Há os que sistematizam o jogo, como os figureiros do Cavalo Marinho, que precisam aprender a dramaturgia da brincadeira; há os que planejam e confeccionam suas próprias máscaras, como alguns Tabaqueiros; há os que encomendam máscaras e fantasias elaboradas, como os Caretas e Papangus.
Mas em todos esses movimentos há também os que brincam com máscaras improvisadas ou de látex, dão lugar ao lúdico e se permitem quebrar as regras impostas, as convenções, a proibição velada de brincar.
Na brincadeira popular, os arquétipos é que se manifestam. Os papéis sociais podem ser representados e subvertidos. A máscara dá permissão para a irreverência, mas também para a revolução, mesmo que momentânea, onde os poderes e as normas são questionados, satirizados e dão espaço à insubordinação dos corpos brincantes.
O ato de brincar desempenha um papel fundamental na construção das nossas identidades, é constituinte e reflexo das relações humanas. Portanto, as máscaras populares são, como já dito, um vetor de conexão com o invisível, mas também ícones para uma dimensão interior, um resgate da nossa rebeldia e da nossa
humanidade.
Caroline Arcoverde - Pesquisadora